segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Saudade

Acordei com latidos de cachorro. Ainda sonolenta, não consciente, me remexi com aquele barulho repentino e conhecido. Parecia casa. Parecia Luna. Em um segundo e alguns latidos, me senti segura. Parecia mamãe e papai logo ali no quarto ao lado. Quase pude sentir o cheiro do almoço, quase pude ouvir os passarinhos conversando. O que será que mamãe faz pro almoço? Aquela vagem refogada que só ela sabe fazer seria hoje alento. E Luna, por que tanto late? Pare de amolar o Joaquim. Se não parasse, logo chamaria alto o seu nome e ela se aquietaria. Ou então mamãe faria isso por mim. Logo mamãe chegará pela porta a me chamar para o almoço e eu fingirei que durmo para que ela se aproxime e me dê um beijo. Deita comigo um pouquinho, mãe. E ela ficaria a me contar histórias, notícias, os afazeres do dia. Logo chamaria Luna para vir me acordar também, e ela pularia em minha cama veloz e se enfiaria debaixo das cobertas, esquentando os meus lençóis. A mesa sempre posta ao acordar traria um conforto que só casa de mãe pode dar. E então, um banquete de delícias surgiria a minha frente. Filha, desligue a TV, por favor. E nós, eu e ela, antes éramos cinco à mesma mesa, hoje somos cinco, mas cinco mesas diferentes. Que tristeza. À tarde algum seriado, mamãe na bicicleta, Luna a lamber as patinhas no sofá. Deixe de lamber o sofá, Luna Maria! Cochilo na cama de mamãe, abrigo do mundo e refúgio das dores. Luna, o papai chegou, Luna! Algazarra dos pássaros e as patinhas de Luna frenéticas a bater na madeira do chão. O rabinho a balançar e fazer também barulho. Papai desabotoa os botões do punho e vem me encontrar com um abraço tão cheiroso! Esse cheiro que só papai tem e que traz paz. Poderia morar em seus braços, e como queria! Sinto cheiro do jantar, papai tomando banho. Sai com sua bermudinha e a camiseta já familiar. Tão cheiroso! Junta-se a nós à mesa, mamãe e suas frutas como sempre. Nós três, antes éramos cinco. Mãe! Come com a gente, tá tão gostoso! Mentira, tá ruim, não come não. Tadinho do Kioshi, foi lavar a louça. Papai vai ver TV, dorme em dois minutos. Que desajeitado. Pai, vai ficar com dor no pescoço! Mamãe lê na cama, Luna deitada ao lado, logo vem papai e eu no meio, no paraíso, no porto mais seguro de todos os mundos. Primeiro eu e mamãe, logo vem papai. Logo vem, papai? Filha, vamos dormir? Mamãe fecha o livro e se ajeita no seu lado. Vou para minha cama.
Acordei com latidos de cachorro. Abri os olhos. Que tristeza.