sábado, 24 de dezembro de 2016

Adeus, Catarina

Adeus, Catarina
Tu já não podes ser
Eras parte de um sonho
Um sonho de vir a ter
Futuro com certo alguém
Que já não sei mais quem
É
E foi
Foi-se embora
E levou tu, Catarina
Antes ainda de ser menina
Antes ainda de tu nascer
E não foi só tu
Que foi embora, Catarina
Mas uma vida que se esboçou
Parecia até uma sina
Que agora acabou?
Vê sentido, Catarina?
Não, eu também não
Porque em minha mente
Tu eras doce
E agora és solidão
Amarga de repente
A boca de pensar
Nos versos de Bandeira
A vida inteira
Que podia ter sido
E que não foi
Digo adeus
E sigo em frente
Não por escolha
Mas necessidade imposta
Que verdadeira bosta
Que é desvincular
A quebra repentina
A dor que desatina
Voa feito folha
Tudo o que
Um dia
Foi rocha
Esmiuçou feito areia
E o vento levou
Sem pedir
E em pleno tempo
De ceia
Digo adeus
Ao que já foi
Ao que podia ser
À vida inteira
Que não é
Mais a mesma
Em que tu vivia
Pobre menina
Mal sabia
Que um dia
Eu teria de dizer:
Adeus, Catarina.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Saudade

Acordei com latidos de cachorro. Ainda sonolenta, não consciente, me remexi com aquele barulho repentino e conhecido. Parecia casa. Parecia Luna. Em um segundo e alguns latidos, me senti segura. Parecia mamãe e papai logo ali no quarto ao lado. Quase pude sentir o cheiro do almoço, quase pude ouvir os passarinhos conversando. O que será que mamãe faz pro almoço? Aquela vagem refogada que só ela sabe fazer seria hoje alento. E Luna, por que tanto late? Pare de amolar o Joaquim. Se não parasse, logo chamaria alto o seu nome e ela se aquietaria. Ou então mamãe faria isso por mim. Logo mamãe chegará pela porta a me chamar para o almoço e eu fingirei que durmo para que ela se aproxime e me dê um beijo. Deita comigo um pouquinho, mãe. E ela ficaria a me contar histórias, notícias, os afazeres do dia. Logo chamaria Luna para vir me acordar também, e ela pularia em minha cama veloz e se enfiaria debaixo das cobertas, esquentando os meus lençóis. A mesa sempre posta ao acordar traria um conforto que só casa de mãe pode dar. E então, um banquete de delícias surgiria a minha frente. Filha, desligue a TV, por favor. E nós, eu e ela, antes éramos cinco à mesma mesa, hoje somos cinco, mas cinco mesas diferentes. Que tristeza. À tarde algum seriado, mamãe na bicicleta, Luna a lamber as patinhas no sofá. Deixe de lamber o sofá, Luna Maria! Cochilo na cama de mamãe, abrigo do mundo e refúgio das dores. Luna, o papai chegou, Luna! Algazarra dos pássaros e as patinhas de Luna frenéticas a bater na madeira do chão. O rabinho a balançar e fazer também barulho. Papai desabotoa os botões do punho e vem me encontrar com um abraço tão cheiroso! Esse cheiro que só papai tem e que traz paz. Poderia morar em seus braços, e como queria! Sinto cheiro do jantar, papai tomando banho. Sai com sua bermudinha e a camiseta já familiar. Tão cheiroso! Junta-se a nós à mesa, mamãe e suas frutas como sempre. Nós três, antes éramos cinco. Mãe! Come com a gente, tá tão gostoso! Mentira, tá ruim, não come não. Tadinho do Kioshi, foi lavar a louça. Papai vai ver TV, dorme em dois minutos. Que desajeitado. Pai, vai ficar com dor no pescoço! Mamãe lê na cama, Luna deitada ao lado, logo vem papai e eu no meio, no paraíso, no porto mais seguro de todos os mundos. Primeiro eu e mamãe, logo vem papai. Logo vem, papai? Filha, vamos dormir? Mamãe fecha o livro e se ajeita no seu lado. Vou para minha cama.
Acordei com latidos de cachorro. Abri os olhos. Que tristeza.