quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sobre luzes, manhas e manhãs

A fresta de luz começava a infiltrar os pequenos vãos da janela do quarto, como se o Universo quisesse lenta e gradualmente acordá-la. Ela virava-se, resmungando, querendo crer que ainda não era hora. Mas como de praxe, o delicioso contorcer de membros e a frequente mudança de decúbitos não duraram muito até tocar o maldito despertador, que mais desperta a dor do que qualquer outra coisa.
Levantou-se com pouca roupa e descabelada, e dirigiu-se ao banheiro. Fez xixi, escovou os dentes, tirou as remelas dos olhos. Trocou-se e saiu rumo ao trabalho.
Pediu um de sempre na cantina do escritório e foi até sua sala. Montes de processos aguardavam-na sobre a mesa e sobre eles, um desagradável bilhete amarelo: "prazo até próxima segunda". Tomou seu expresso e fez o que já fazia há vinte anos.
Fim do expediente. Rumo à casa, parou em uma mercearia. Refeição do dia: lasanha pronta e congelada.
Comeu, alimentou o gato. Foi até seu quarto e da janela avistou famílias e amigos e amores e crianças e vira-latas e bicicletas e carros e luzes diversas. Atirou-se de um vão não mais pequeno, por onde entraria já não mais fresta, mas sim grande feixe de luz, que por mais grande que fosse, não acordaria mais, jamais.

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