Assim que chegou em casa, verificou a secretária eletrônica. "Você não tem novas mensagens", a máquina dizia com certo descaso. Num suspiro cansado, ela deixou a bolsa sobre a mesa de canto e as chaves na fechadura.
Pegou o telefone, hesitante. Sentou no sofá e folheou as páginas da agenda. Fechou a agenda e colocou o telefone no gancho.
"Não vale a pena", pensava consigo mesma.
O fato é que Laura se tornara um tanto orgulhosa. Não se renunciaria a tão pouco, não mais.
Ele a deixava sempre em segundo plano, como se ela fosse algum tipo de objeto dispensável. Só lhe tinha, com a necessidade execrável de conveniência. Em qualquer tipo de crise existencial ou conflito pessoal, recorria-lhe o auxílio.
Porém, nas horas em que ela recorria-lhe o prazer da presença ou a rara convivência, ele parecia abstrair sua importância.
E ela ansiava a chegar em casa, para sentir aqueles instantes de plenitude. Aquele momento do dia, em que ela não sentia falta de si. Tornara-se rotina chegar em casa e logo ligar para ele. Em uma ligação, estremecia ao ouvir sua voz. Sentia-se recompensada por um dia inteiro de trabalho.
Sentia-se, por ora, como um cachorrinho. Mas convencia-se de que ela é quem estava sobre o controle das rédeas.
Ela, ainda sentada no sofá, recordava-se dos bons momentos, de quando o namoro ainda era novidade. Tudo o que é recente dura por certo tempo. Até se tornar obsoleto demais para continuar existindo.
Ele era, outrora, um verdadeiro encanto. Aos poucos, a intimidade fez cair as máscaras. Mas ela sempre esteve lá, à distância de uma única ligação.
E ela adorava.
Pegou o telefone, discou o número.
domingo, 28 de março de 2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
Algodão doce
Era Dia de Finados. Alguns nem sequer faziam conta.
Era só "mais um feriado", que infelizmente havia caído em um domingo.
Raquel não tinha afazeres aos domingos. Praticamente passava o dia sob o delicioso ócio. Quando muito, lia um livro ou estudava. Normalmente dormia.
Não naquele domingo. Não era um domingo qualquer, era Dia de Finados.
Para ela, significava viagem. Era o que lhe vinha à mente quando referia-se a este dia.
Fez planos na véspera, colocou uma troca de roupa na mochila e sacou certa quantia de dinheiro para a gasolina.
Amanheceu triste naquele dia, algo habitual. Não apertou o botão de soneca do celular. Levantou-se prontamente, ao ouvir a desagradável melodia do despertar.
Tomou um banho, comeu algumas bolachas água e sal e tomou uma xícara de café.
Escovou os dentes, pegou a mochila e saiu.
No elevador, separava o dinheiro da gasolina e deixava a quantia restante em outro bolso.
Abriram-se as portas do elevador, lá estava seu querido fusquinha verde. Ela tinha orgulho por ter sido ela a pagar por ele. Deu uma batida no controle do portão, estava com um sério problema de mau contato.
Saiu, enfim. Sofreu o trânsito matutino, parou em um posto para abastecer. Logo chegou à rodovia.
Percorreu longos quinhentos quilômetros, enquanto tinha em mente lembranças que agora lhe traziam um gosto amargo à boca.
Em crise de nostalgia, derramava sobre o volante lágrimas contínuas.
Chegou na cidade, quase na hora do almoço. Parou em um restaurante pequeno à beira da rodovia. Cumprimentou os funcionários, como se fosse algo que fizesse sempre.
Comeu e tornou a sair.
Parou agora em uma loja de conveniência. Pegou o restante do dinheiro, aquele guardado em outro bolso, e então comprou duas latas de cerveja.
Parava agora em um lugar bonito, rodeado por árvores e flores. Parecia um tipo de jardim. Certamente era. Um 'Jardim da Paz'.
Percorria agora suas estreitas ruas, com a sacola da conveniência em mãos. Chegou a um lugar, onde residia uma frondosa árvore repleta de flores brancas, parecia ser um tipo de ipê. Caíam algumas, tornando o cenário encantador. Por serem brancas, lembravam algodão, ou talvez neve.
Ela sentou-se sob a árvore, numa bela e fresca sombra. A brisa era extremamente agradável.
Tirou as cervejas da sacola.
-Oi, Camila. Não me esqueci da sua.
Era só "mais um feriado", que infelizmente havia caído em um domingo.
Raquel não tinha afazeres aos domingos. Praticamente passava o dia sob o delicioso ócio. Quando muito, lia um livro ou estudava. Normalmente dormia.
Não naquele domingo. Não era um domingo qualquer, era Dia de Finados.
Para ela, significava viagem. Era o que lhe vinha à mente quando referia-se a este dia.
Fez planos na véspera, colocou uma troca de roupa na mochila e sacou certa quantia de dinheiro para a gasolina.
Amanheceu triste naquele dia, algo habitual. Não apertou o botão de soneca do celular. Levantou-se prontamente, ao ouvir a desagradável melodia do despertar.
Tomou um banho, comeu algumas bolachas água e sal e tomou uma xícara de café.
Escovou os dentes, pegou a mochila e saiu.
No elevador, separava o dinheiro da gasolina e deixava a quantia restante em outro bolso.
Abriram-se as portas do elevador, lá estava seu querido fusquinha verde. Ela tinha orgulho por ter sido ela a pagar por ele. Deu uma batida no controle do portão, estava com um sério problema de mau contato.
Saiu, enfim. Sofreu o trânsito matutino, parou em um posto para abastecer. Logo chegou à rodovia.
Percorreu longos quinhentos quilômetros, enquanto tinha em mente lembranças que agora lhe traziam um gosto amargo à boca.
Em crise de nostalgia, derramava sobre o volante lágrimas contínuas.
Chegou na cidade, quase na hora do almoço. Parou em um restaurante pequeno à beira da rodovia. Cumprimentou os funcionários, como se fosse algo que fizesse sempre.
Comeu e tornou a sair.
Parou agora em uma loja de conveniência. Pegou o restante do dinheiro, aquele guardado em outro bolso, e então comprou duas latas de cerveja.
Parava agora em um lugar bonito, rodeado por árvores e flores. Parecia um tipo de jardim. Certamente era. Um 'Jardim da Paz'.
Percorria agora suas estreitas ruas, com a sacola da conveniência em mãos. Chegou a um lugar, onde residia uma frondosa árvore repleta de flores brancas, parecia ser um tipo de ipê. Caíam algumas, tornando o cenário encantador. Por serem brancas, lembravam algodão, ou talvez neve.
Ela sentou-se sob a árvore, numa bela e fresca sombra. A brisa era extremamente agradável.
Tirou as cervejas da sacola.
-Oi, Camila. Não me esqueci da sua.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Passividade tropical
A quantidade de mortos, feridos e desabrigados pela tal catástrofe no Haiti, ao certo, não se sabe. Porém, relatos da notícia chegam às nossas casas diariamente, já não mais trazendo o ar de novidade. A mídia, constante e indevidamente, alerta sobre esse assunto, causando nas pessoas, não o desejo de cooperar, mas sim o desinteresse pela manchete diária. Transmite a sensação de impotência e desesperança, que é cada vez mais usada pelos brasileiros como justificativa para se manterem focados em sua rotina.
A distância, não só a literal, mas também aquela que passa a impressão de que é uma situação inexistente no convívio dos sul-americanos, acaba fazendo com que os mesmos, em meio ao seu egoísmo, fiquem despreocupados e acomodem-se.
São raras as campanhas atuais formadas a fim de ajudar às vítimas da tão falada catástrofe. Com tantos conflitos mundiais, se tornam poucos e insuficientes os recursos direcionados especificamente ao Haiti.
Enquanto tecnólogos refletem sobre a possível construção de um trem bala até 2014, membros da ONU definem papéis em ações de ajuda ao país desestruturado.
Tudo antes sólido e concreto caiu em pedaços, sem sequer aviso prévio, deixando os haitianos sem qualquer bem material. Como tudo o que era sólido, o abstrato construído em anos de existência também deixou de existir, assim como quem o conquistou.
Mães choram pela perda de seus filhos e crianças não sabem o paradeiro de suas mães. Sem ter o que comer, fazem literalmente da terra o seu alimento.
E toda a tristeza e sofrimento são expostos entre a reportagem sobre spas caninos e aquela sobre a dieta mediterrânea.
São esses e outros aspectos que acabam gerando o desinteresse gradual por Fátima Bernardes e William Bonner.
A situação caótica desse acontecimento, em outras formas, é vista em qualquer lugar do planeta, seja em questão econômica, política ou social. É como se o Haiti estivesse aqui, ou logo ali. É dessa forma que o famoso Caetano Veloso deixa o seu ver da situação. Para aqueles que não enxergam metaforicamente; não, claro que o Haiti não é aqui. Mas ainda assim, é logo ali.
A distância, não só a literal, mas também aquela que passa a impressão de que é uma situação inexistente no convívio dos sul-americanos, acaba fazendo com que os mesmos, em meio ao seu egoísmo, fiquem despreocupados e acomodem-se.
São raras as campanhas atuais formadas a fim de ajudar às vítimas da tão falada catástrofe. Com tantos conflitos mundiais, se tornam poucos e insuficientes os recursos direcionados especificamente ao Haiti.
Enquanto tecnólogos refletem sobre a possível construção de um trem bala até 2014, membros da ONU definem papéis em ações de ajuda ao país desestruturado.
Tudo antes sólido e concreto caiu em pedaços, sem sequer aviso prévio, deixando os haitianos sem qualquer bem material. Como tudo o que era sólido, o abstrato construído em anos de existência também deixou de existir, assim como quem o conquistou.
Mães choram pela perda de seus filhos e crianças não sabem o paradeiro de suas mães. Sem ter o que comer, fazem literalmente da terra o seu alimento.
E toda a tristeza e sofrimento são expostos entre a reportagem sobre spas caninos e aquela sobre a dieta mediterrânea.
São esses e outros aspectos que acabam gerando o desinteresse gradual por Fátima Bernardes e William Bonner.
A situação caótica desse acontecimento, em outras formas, é vista em qualquer lugar do planeta, seja em questão econômica, política ou social. É como se o Haiti estivesse aqui, ou logo ali. É dessa forma que o famoso Caetano Veloso deixa o seu ver da situação. Para aqueles que não enxergam metaforicamente; não, claro que o Haiti não é aqui. Mas ainda assim, é logo ali.
Assinar:
Postagens (Atom)