domingo, 27 de novembro de 2011

Cores de plástico

Flores. Flores no aquário. Flores de várias cores. Cores entre corais. Flores de mentira. Corais entre flores. Flores de papel. Corais coloridos. Bordas emboloradas. Não, flores não. Rosas. Rosas que não eram rosas. Rosas mentirosas. Rosas negras e inodoras. Corais de plástico. Rosas no aquário.
Origamis. Detalhados e delicados. Secos e esquecidos entre quatro bordas de vidro. Quadro até poético. O verde-branco-preto da paisagem protegido da ação do tempo. Quase como um templo. Rosas que não murcham. Não fazia o menor sentido. Quanta babaquice.
Física, exercícios de Física. Folhas arrancadas. Grafite e resquício de borracha. Bolacha recheada. Origamis. Origamis e mais origamis. O tempo passa. O tédio não. Folhas que não fazem fotossíntese. Celulose e látex. Mais origamis. O tédio passa. O tempo também. Rosas de folhas. Várias folhas. Flor que não floresce. Rosas várias. Flor e não folia. O tempo passa. Não dentro do templo. Templo de flores. Flores de plástico? Não, não morrem. Nem as de papel.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Cinzas de ontem

Deu-lhe um beijo breve, seco e insípido. Agiu com indiferença e conformidade, demonstrando submissão incomparável, infelizmente. Seria infinitamente mais fácil se ele retrucasse, respondesse e reagisse, mas não. Não, permaneceu calmo, com o tom brando e as atitudes sutis, subjetivas, no entanto.
Ela não conseguia organizar o que se passava em sua mente e, muito menos, dizer algo suficientemente adequado. A verdade é que nada do que ela dissesse em uma situação daquelas pareceria conveniente.
Não que seu deslize fosse de tamanha malícia, maior do que isso era o seu desejo de distrair-se, ocupar as lacunas que, por ora, ele causava, receber a atenção que ele deixava a desejar. Não era traição, entende? Foram meras palavras jogadas ao vento, que voavam e retornavam repletas de graça do ser que estava distante.
O silêncio? Talvez medo de causar intriga, maldita denúncia de consciência do ato supostamente incorreto. Para que contar o que se passava se era algo consideravelmente irrelevante e que não carregava significado algum?
Pois bem, deu no que deu. Calou-se diante de indagações por não ter o que dizer. Deveria ter dito antes, realmente. Mas o tempo é maldoso, passa e jamais volta. E o que ocorre em seu decorrer permanece em seu dinamismo até virar pó e voar sem que jamais se reconquiste.
Deu-lhe um beijo breve, seco e insípido. Agiu como se fosse o último, infelizmente.

domingo, 16 de outubro de 2011

Desabafo

Tinha ânsia em colocar tudo o que sentia para fora de alguma forma. Toda aquela raiva angústia tristeza aperto no peito inconformidade descrença indignação desespero desesperança mágoa ódio lágrima dor medo frio calafrio palpitação arritmia falta de ar tremor calor suor melancolia drama melindre desprezo nojo arrependimento carência desproteção dúvida inquietação desejo desgosto confusão caos ânsia vazio coriza loucura silêncio tédio cansaço cobrança culpa vontade auto-piedade transtorno intolerância repugnância decepção desilusão dor de cabeça azia sono saudade submissão humilhação passividade dependência subordinação indisposição baixa alta estima solidão desagrado paciência fúria indiferença esperança devaneio quimera indecisão imprecisão hiperatividade instabilidade hipertensão insegurança nervosismo ira pena ausência desaceleração calma resignação suficiência plenitude lucidez tristeza dor ressentimento grito lágrima lágrima lágrima lágrima lágrima lástima.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sobre luzes, manhas e manhãs

A fresta de luz começava a infiltrar os pequenos vãos da janela do quarto, como se o Universo quisesse lenta e gradualmente acordá-la. Ela virava-se, resmungando, querendo crer que ainda não era hora. Mas como de praxe, o delicioso contorcer de membros e a frequente mudança de decúbitos não duraram muito até tocar o maldito despertador, que mais desperta a dor do que qualquer outra coisa.
Levantou-se com pouca roupa e descabelada, e dirigiu-se ao banheiro. Fez xixi, escovou os dentes, tirou as remelas dos olhos. Trocou-se e saiu rumo ao trabalho.
Pediu um de sempre na cantina do escritório e foi até sua sala. Montes de processos aguardavam-na sobre a mesa e sobre eles, um desagradável bilhete amarelo: "prazo até próxima segunda". Tomou seu expresso e fez o que já fazia há vinte anos.
Fim do expediente. Rumo à casa, parou em uma mercearia. Refeição do dia: lasanha pronta e congelada.
Comeu, alimentou o gato. Foi até seu quarto e da janela avistou famílias e amigos e amores e crianças e vira-latas e bicicletas e carros e luzes diversas. Atirou-se de um vão não mais pequeno, por onde entraria já não mais fresta, mas sim grande feixe de luz, que por mais grande que fosse, não acordaria mais, jamais.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Devaneios de uma madrugada vã

Na calada da fria e sombria noite
A brisa sopra feito nefasto açoite
Respirações ruidosas resultantes de pesado sono
Algazarra murmurante de um cão sem dono.

Por um breve instante somente
Os pensamentos fogem ligeiros
Não mais se encontram na mente
Mas sim em momentos faceiros.

Momentos estes de outrora
Lembranças dos dias de ontem
Pois que saibam ver e que montem
O traiçoeiro quadro de agora!

Onde antes nenhum sentimento havia
Hoje nota-se o tremor da agonia...
Quem sabe o medo de perder, mas capaz!
Perder aquilo que nunca terás?

Inquietos e insones tardares
Façam o leito e deixem dormir
Mais esta alma que tenta fugir
Do pesado fardo de todos os pesares.

Ah! Mas como é tolo o ser humano!
Palerma toda raça de gente
Prende-se àquilo que não se tem
Entrega-se àquilo que não se sente!

Por não se ter é que quer
Mas querendo demais não se tem
Aprende, ó, burra mulher
Que aqui não cabe um porém.

Desde o início dos tempos
Não se domina os tantos sentidos
Piedosa vida, que nos dá contratempos,
Mas ainda assim, não lhe damos ouvidos.

Há de sofrer, pois, homem maldito!
Já que não escutas o auxílio divino
Das tuas dores, faz uma lista
E te assume, eterno masoquista.

domingo, 5 de junho de 2011

Mais um a(Deus)

Local familiar, família reunida,
Lembranças pairando a qualquer canto;
Sentimentos por aí ganhando vida,
Nada de novo por enquanto.

Histórias de ontem mal contadas,
Saudades então compartilhadas,
Água morna e levemente salgada,
Conversa alta e ao mesmo tempo calada.

Pensamentos em comum,
O mesmo em toda mente;
Medo da perda de repente,
Maldita perda de mais um.

Desvio súbito de assunto,
Tema então banalizado,
Choro quase disfarçado,
Mero sorriso simulado.

O esperado, ainda que esperado,
Chega de repente,
Sem prenúncio ou passe ou prece,
Simplesmente acontece.

Sem chão, sem ar, sei não
Se é possível manter-se ileso
Da dor de ver, dá não,
O suposto forte ser surpreso.

E enfim, novamente a perda é tida,
Até então somente pressentida...
E mesmo quem pressente sente
A saudade que vem à desmedida.

Jardim de flores tantas e ainda assim capaz
De não ter cheiro de nada e trazer cheiro de paz.
Paz que não é de espírito e tampouco desejada,
Cheiro de choro e soro e morte e mais nada.

Local familiar, sentimentos sem medida,
Lembranças pairando a qualquer canto;
Família por aí perdendo vida,
Nada de novo por enquanto.