sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ciranda da bailarina

Pés doloridos e alma ferida faziam parte da rotina corrida que a menina levava pontas ponteiras e pliés criavam o cenário encantador rodeado por sonhos e crenças que só ali eram válidos jamais uma dançarina teria tamanho espaço no mercado sujo e frio que corrói a humanidade desumana que se habitua sem habitar criando conceitos e formando princípios equivocados sobre assuntos ordinários encarados e pré-definidos por conveniência tradicional não teria chance a menina graciosa de rodopiar e rodar pelo mundo sem o apoio familiar tão desejado que era a base de sua existência mal planejada e confusa diante de toda desilusão ocorrida pensava consigo mesma a felicidade não é deste mundo e sonhava em voar sumir pelos ares ser livre para seguir seu caminho no mundo que a aguardava cheio de mágica essência pirueta sapatilha bolha no pé e satisfação de dever cumprido sonho de uma vida inteira ela tinha inveja das pessoas ao redor que conseguiam subir na vida com o que tinham planejado para si mesmas enquanto limites tolos a cercavam cada vez mais perdia sua essência interior e tornava-se assim descrente indignada com o destino que tinham planejado para ela isento de necessidade dinheiro risco felicidade e acima de tudo isento de vida e aventura emoção cor calo calor suor tinha para o amanhã uma vida estável adequada conveniente tão requerida e apreciada por todos menos por ela queria seguir naquilo que fazia de melhor gostava de quem se tornava enquanto entre quatro paredes diante de um grande espelho e uma barra de ballet dava saltos grand jetés grand pliés grandes emoções a envolviam e ela sentia-se por completo era alguém que não precisava de mais nada além de estar ali sendo quem gostaria de ser mas não seria por conta de previsões malfeitas e malditas sobre o futuro de uma pobre bailarina mal paga e injustiçada pelo mundo mal sabe sua mãe que poderia se tornar alguém grandioso a doce menina se tivesse a chance de provar que todos estavam errados afinal o certo é relativo mas pobre menina cansada de discutir brigar lutar chorar e seguir sonhando a pequena ex-futura bailarina deixa de rodopiar e enfim coloca seus pés doloridos no chão deixa a graça de lado e perde a graciosidade.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Curta-metragem

-Ela era bonita? Perguntou, depois de certa hesitação.
-Para mim, a mais bela de todas, ele respondeu com visível ternura.
Naquele quarto frio de hospital, a visita diária às vezes trazia assuntos inusitados.
Ele prosseguiu relatando o pouco que sobrou de uma vida memorável.
-Nunca me esqueço do dia em que pedi sua mão. Namorávamos já havia algum tempo, às escuras. Ela era apenas um ano mais nova do que eu.
Nunca senti tanto receio em toda a minha vida; seu pai era tido com respeito, temido por todos os peraltas da cidade.
E eu, para a surpresa de todos, acabei sendo aceito naquela humilde família.
Logo criamos nossa pequena rotina, naquela vida adorável de recém-casados.
Aos fins de semana, costumávamos sair para comer fora e depois pegar um cinema. Pegávamos carona com o metrô e ficávamos entre curtas carícias durante o longo percurso.
Quando o filme terminava, eu já aguardava a doce pergunta: "Voltemos à pé?", e com um breve sorriso, assentia com a cabeça.
Logo pegava o seu par de sapatos, e saíamos a caminhar sob o céu noturno.
Não tínhamos pressa nenhuma, esperávamos o belo amanhecer naquelas familiares ruas de São Paulo.
Havia uma feira pela manhã, próxima à nossa singela residência. Eu comprava sempre dois pastéis para o desjejum.
E então, voltávamos para casa e dormíamos até mais tarde.
Foram os dias mais felizes da minha existência.
Quando soube que estava grávida, tratei de encontrar um ofício a mais, e logo aumentei nossa pequena casa.
Providenciei tudo o que um pai poderia proporcionar a uma querida filha. Obtive ajuda de diversos amigos e, por fim, um mundo isento de necessidades e repleto de amor a aguardava, ansioso por conhecê-la.
Lamentavelmente, nunca teve a chance. Por um falho ato médico, subitamente perdi tudo o que tinha de valor neste mundo, até mesmo antes de ganhar. Um maldito fórceps, uma inestancável hemorragia.
Há quem me cobre processos jurídicos, mas dinheiro algum as traria de volta.
Foi como se o meu querido órgão cardiovascular se partisse em milhões de pedaços, que até hoje não consegui reunir. O lindo enxoval foi doado, com porções de minha alma embutidas.
Parei de viver por um eterno período de tempo. Nunca deixei de sentir a imensa dor que se apossa do corpo em grandes perdas.
Saí pelo mundo, a vagar por entre as cidades mal distribuídas; conheci os cantos deste país, e até de outros. Mergulhei em diferentes oceanos, presenciei acontecimentos inesquecíveis. Jamais algo me preencheu novamente.
A menina escutava comovida, sem saber como organizar as palavras que lhe surgiam na mente, para saírem adequadas da boca.
Lacrimejava, mas impedia que caíssem de seus olhos as gotas ansiosas por nascer.
Deu um sincero beijo em suas mãos calejadas e manteve-se em silêncio.
-Sou o número vinte e três, da lista de transplantes, ele então lhe disse.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A magia não perece, "a poesia prevalece!" - Mais um sonho em DVD


A novidade que circula os arredores é a do lançamento do novo DVD, intitulado como "O Segundo Ato", prometendo ser mais um sucesso de Fernando Anitelli e sua maravilhosa equipe. Gravado ao vivo em 18 sessões, durante uma semana de maio de 2009, cria um cenário promissor, dando continuação ao seu belo trabalho. Contou com o apoio da instituição Itaú Cultural, com quem fez parceria, contanto que o contrato desse ao produto o selo de "creative commons", que proporciona a livre circulação, exibição, veiculação e cópia da mercadoria.
Dessa forma, todos têm acesso ao que chamamos de "música livre".


Eram somente encontros no Sarau. Entre conversas, contato e convívio, surgiu um elo que uniu pessoas, que tinham em mente idéias e ideais em comum. Entre música, mágica e poesia, em uma mistura de circo e prosa sem prazo, surgiu a grandiosa trupe do Teatro Mágico.
A princípio, era uma mera tentativa de mudar o mundo, objetivo de sonhadores que ousam idealizar o amanhã. Aos poucos, esse sonho imperecível tornou-se motivo para seguir em frente para milhares de pessoas, fazendo com que elas refletissem sobre diversos assuntos dissolvidos em sonho, música e som.
Com o lema "pirateiem o nosso trabalho", a trupe proporcionou o acesso livre à música rara e, assim, contribuiu para a disseminação de cultura e conhecimento. Trata-se de um projeto independente, do qual transborda o esforço de seus integrantes para atingirem o sucesso merecido.
Fernando Anitelli, criador e representante da trupe, conquistou o primeiro álbum, "Entrada para Raros", que encantou diversos pioneiros de um fã clube que logo surgiu, e que se estendeu imensamente ao longo dos anos, atingindo inúmeros habitantes desse mundo afora. Cheio de ternura e fantasia, incentivou seus fãs a seguirem seus sonhos com versos encantadores e letras mirabolantes.
Essa mistura de tudo o que há de melhor une pessoas raras e compartilha informação, fazendo com que público e cena se integrem harmonicamente em algo único.
Trazendo o mágico esquecido e reinventando notas musicais, O Teatro Mágico dissolve dor e dissipa reflexão, deixando vestígios de alma por onde passa.
Tornou-se rapidamente a trilha sonora ouvida e vivida diariamente por uma gigantesca família de admiradores.
Ao gravar o segundo álbum, "Segundo Ato", a trupe mais uma vez surpreendeu a todos com a sua admirável capacidade de tratar de um lado realista da sociedade, mantendo, porém, a poesia que o envolve.
O principal objetivo do Teatro Mágico é socializar com seu público, dialogando e discutindo assuntos que merecem certa atenção. Com toda essa integração, o público acaba se tornando uma "extensão da trupe", como diz Fernando; tornando-se assim, o principal meio de divulgação de suas novas conquistas, especialmente via internet. Por essa longa navegação virtual que se estende por todo o mundo, o público torna possível a realização de mais um sonho.
Com esse ato nobre e corajoso de livre veiculação, O Teatro Mágico abre as portas para apresentar "O Segundo Ato", mais uma prova de que o "sonho parece verdade".
É dessa forma que a fabulosa equipe funciona; distribui sorrisos, sem buscar qualquer razão.

domingo, 28 de março de 2010

Chamada perdida

Assim que chegou em casa, verificou a secretária eletrônica. "Você não tem novas mensagens", a máquina dizia com certo descaso. Num suspiro cansado, ela deixou a bolsa sobre a mesa de canto e as chaves na fechadura.
Pegou o telefone, hesitante. Sentou no sofá e folheou as páginas da agenda. Fechou a agenda e colocou o telefone no gancho.
"Não vale a pena", pensava consigo mesma.
O fato é que Laura se tornara um tanto orgulhosa. Não se renunciaria a tão pouco, não mais.
Ele a deixava sempre em segundo plano, como se ela fosse algum tipo de objeto dispensável. Só lhe tinha, com a necessidade execrável de conveniência. Em qualquer tipo de crise existencial ou conflito pessoal, recorria-lhe o auxílio.
Porém, nas horas em que ela recorria-lhe o prazer da presença ou a rara convivência, ele parecia abstrair sua importância.
E ela ansiava a chegar em casa, para sentir aqueles instantes de plenitude. Aquele momento do dia, em que ela não sentia falta de si. Tornara-se rotina chegar em casa e logo ligar para ele. Em uma ligação, estremecia ao ouvir sua voz. Sentia-se recompensada por um dia inteiro de trabalho.
Sentia-se, por ora, como um cachorrinho. Mas convencia-se de que ela é quem estava sobre o controle das rédeas.
Ela, ainda sentada no sofá, recordava-se dos bons momentos, de quando o namoro ainda era novidade. Tudo o que é recente dura por certo tempo. Até se tornar obsoleto demais para continuar existindo.
Ele era, outrora, um verdadeiro encanto. Aos poucos, a intimidade fez cair as máscaras. Mas ela sempre esteve lá, à distância de uma única ligação.

E ela adorava.

Pegou o telefone, discou o número.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Algodão doce

Era Dia de Finados. Alguns nem sequer faziam conta.
Era só "mais um feriado", que infelizmente havia caído em um domingo.
Raquel não tinha afazeres aos domingos. Praticamente passava o dia sob o delicioso ócio. Quando muito, lia um livro ou estudava. Normalmente dormia.
Não naquele domingo. Não era um domingo qualquer, era Dia de Finados.
Para ela, significava viagem. Era o que lhe vinha à mente quando referia-se a este dia.
Fez planos na véspera, colocou uma troca de roupa na mochila e sacou certa quantia de dinheiro para a gasolina.
Amanheceu triste naquele dia, algo habitual. Não apertou o botão de soneca do celular. Levantou-se prontamente, ao ouvir a desagradável melodia do despertar.
Tomou um banho, comeu algumas bolachas água e sal e tomou uma xícara de café.
Escovou os dentes, pegou a mochila e saiu.
No elevador, separava o dinheiro da gasolina e deixava a quantia restante em outro bolso.
Abriram-se as portas do elevador, lá estava seu querido fusquinha verde. Ela tinha orgulho por ter sido ela a pagar por ele. Deu uma batida no controle do portão, estava com um sério problema de mau contato.
Saiu, enfim. Sofreu o trânsito matutino, parou em um posto para abastecer. Logo chegou à rodovia.
Percorreu longos quinhentos quilômetros, enquanto tinha em mente lembranças que agora lhe traziam um gosto amargo à boca.
Em crise de nostalgia, derramava sobre o volante lágrimas contínuas.
Chegou na cidade, quase na hora do almoço. Parou em um restaurante pequeno à beira da rodovia. Cumprimentou os funcionários, como se fosse algo que fizesse sempre.
Comeu e tornou a sair.
Parou agora em uma loja de conveniência. Pegou o restante do dinheiro, aquele guardado em outro bolso, e então comprou duas latas de cerveja.
Parava agora em um lugar bonito, rodeado por árvores e flores. Parecia um tipo de jardim. Certamente era. Um 'Jardim da Paz'.
Percorria agora suas estreitas ruas, com a sacola da conveniência em mãos. Chegou a um lugar, onde residia uma frondosa árvore repleta de flores brancas, parecia ser um tipo de ipê. Caíam algumas, tornando o cenário encantador. Por serem brancas, lembravam algodão, ou talvez neve.
Ela sentou-se sob a árvore, numa bela e fresca sombra. A brisa era extremamente agradável.
Tirou as cervejas da sacola.

-Oi, Camila. Não me esqueci da sua.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Passividade tropical

A quantidade de mortos, feridos e desabrigados pela tal catástrofe no Haiti, ao certo, não se sabe. Porém, relatos da notícia chegam às nossas casas diariamente, já não mais trazendo o ar de novidade. A mídia, constante e indevidamente, alerta sobre esse assunto, causando nas pessoas, não o desejo de cooperar, mas sim o desinteresse pela manchete diária. Transmite a sensação de impotência e desesperança, que é cada vez mais usada pelos brasileiros como justificativa para se manterem focados em sua rotina.
A distância, não só a literal, mas também aquela que passa a impressão de que é uma situação inexistente no convívio dos sul-americanos, acaba fazendo com que os mesmos, em meio ao seu egoísmo, fiquem despreocupados e acomodem-se.
São raras as campanhas atuais formadas a fim de ajudar às vítimas da tão falada catástrofe. Com tantos conflitos mundiais, se tornam poucos e insuficientes os recursos direcionados especificamente ao Haiti.
Enquanto tecnólogos refletem sobre a possível construção de um trem bala até 2014, membros da ONU definem papéis em ações de ajuda ao país desestruturado.
Tudo antes sólido e concreto caiu em pedaços, sem sequer aviso prévio, deixando os haitianos sem qualquer bem material. Como tudo o que era sólido, o abstrato construído em anos de existência também deixou de existir, assim como quem o conquistou.
Mães choram pela perda de seus filhos e crianças não sabem o paradeiro de suas mães. Sem ter o que comer, fazem literalmente da terra o seu alimento.
E toda a tristeza e sofrimento são expostos entre a reportagem sobre spas caninos e aquela sobre a dieta mediterrânea.
São esses e outros aspectos que acabam gerando o desinteresse gradual por Fátima Bernardes e William Bonner.
A situação caótica desse acontecimento, em outras formas, é vista em qualquer lugar do planeta, seja em questão econômica, política ou social. É como se o Haiti estivesse aqui, ou logo ali. É dessa forma que o famoso Caetano Veloso deixa o seu ver da situação. Para aqueles que não enxergam metaforicamente; não, claro que o Haiti não é aqui. Mas ainda assim, é logo ali.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Meio-dia

Ela despertou-se nostálgica após uma noite inesperada de sonhos.
Tomou seu café preto, fumou um cigarro.
Abriu a geladeira no intuito de encontrar refúgio. Ao invés disso, encontrou uma jarra de suco e um pote usual de margarina.
Colocou a água para esquentar. Abriu o armário e pegou a típica lata de massa de tomate.
Recolheu as calcinhas penduradas no box e deixou-as jogadas na cama.
Fumou outro cigarro.
Ligou a televisão, nada de novo.
Abriu a janela, a luz veio de intrusa chocar-lhe os olhos ainda sonolentos.
Pegou o pacote de macarrão, colocou o molho no fogo.
Trocou de canal.
Pegou o cesto de roupas sujas, colocou-as para bater com a folga de estudante que tem máquina de lavar.
Roeu as unhas.
Escorreu a água do macarrão, desligou o fogo.
Desligou a tv. Comeu em silêncio.
Lavou a louça. Ligou o rádio.
Tomou um banho, lavou o cabelo.
Vestiu outro pijama.
Fumou mais um cigarro.
Voltou a dormir.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ausência

Será como um anjo. Frequentemente invisível, eternamente presente.

De uma hora para outra, o tempo me rouba mais uma dádiva.
E de repente, devo aprender a continuar vivendo.
Por culpa de ninguém, a presença física estará longe por tempo demais.
E o que me consome é a saudade de quem ainda está aqui.
Contenho as lágrimas de olhos fechados, porque é bem mais fácil fingir que desconheço.
Mas o tempo se esgota e assim, me desespero.
Assim como quem ri para não chorar, eu choro por não ter escolha.
E assim, resta mais um vazio em meus dias.

"Eu volto para te buscar."
Até lá, vou vivendo como quem escova os dentes.
Dia após dia. Contento-me enfim, com o que me resta.

Será como um anjo. O meu anjo.

Vivemos, convivemos, sumimos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Duas

Lorena era loira, com a pele branca angelical de quem tem o dom da beleza. Olhos penetrantes, azuis como o céu de Brigadeiro. Alma inocente, ingênua como uma criança que diz que a tia está gorda.
Catarina sempre foi morena, mas tinha a recente vontade de ter o cabelo roxo. Tinha dores de mundo e revoltas de alma. Possuía fases que ninguém decifrava, como quem muda a cor do quarto de rosa para preto.
Tinham o mesmo endereço, mas não o mesmo lar. Encontraram-se no acaso diário da vida, enquanto ainda eram ambas ingênuas, mas certamente crianças.
Conservavam a frequência de presença e cultivavam a convivência. Era como se destinos distintos formassem um só.
Eram duas meras crianças, daquelas que aproveitam o tempo para explorar. Exploravam juntas os botões do elevador e o terraço proibido.
Cada uma tinha quatro avós e quatro avôs. Até o dia em que esse número diminuiu.
Catarina esteve com ela quando o seu pranto condisse à perda. E de alguma forma, em sua vez, Lorena esteve também.
Se alguém procurasse por Catarina, deveria antes, encontrar Lorena. Eram sempre duas.
Hoje já não têm o mesmo endereço e nem o mesmo lar. Há contrastes, mas mantém-se o brilho.
Por conflitos de vida, criaram mundos diferentes, mas unem-se na lembrança e brigam pelas bonecas mais bonitas.
Recordam-se da infância puramente apreciada, na qual assunto era o almoço de cada dia.
Continuam sendo a presença desejada do dia de aniversário e o convite extra do baile de formatura.
Tiveram em comum a infância. E assim garantiram o resto da vida.

Ainda quando querem brincam de boneca.

Domínio

E de repente, me perdi na busca de perspectiva.
Encontrei desejo, desejei encontro.
Pensei em querer e quis não pensar.
Imaginei motivos, desesperei-me.
Mas continuava inegável o quanto me sentia estranhamente atraída por ele.
Incrível é sentir falta do que não se vê.

Roubava-me o sono, tirava-me o fôlego. Assim, com a facilidade de quem estala os dedos.
Bastou-me uma palavra sua para ter todas as minhas.
Como se não fosse o bastante, era motivo das minhas frequentes fugas escritas.
Ocupava meus dias, fazendo-me esperar por um sinal de presença.
Um mero encontro apenas, distante. Como quem cumprimenta a prima de terceiro grau.
Talvez não me conheça, mas certamente me conquista.
E assim passo minhas noites, a imaginar.

"Qual o som da sua voz? Será que coleciona borboletas?"

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Indiferença

-Sentiu isso?
-Hm? Perguntou Fábio, enquanto tinha mais atenção à fria tela do computador do que à própria esposa.

-Este cheiro... Cheiro de Natal.
Manoela se encontrava junto à janela, apreciando o céu noturno, temendo ser tola por notar tantos detalhes.
-Ah Manoela, não diga asneiras. Não, não senti cheiro algum.
Ela desfez o meio sorriso que tinha na face e o brilho que habitava-lhe os olhos sumiu subitamente. Fechou a janela e foi à cozinha descongelar a carne do dia seguinte.
-Peixe ou frango, Fábio?
Era a única coisa que ele comia após se tornar "vegetariano", além da típica salada de cada dia.
-Não virei almoçar amanhã, comerei qualquer coisa na rua.
-Demorará a chegar? Estava pensando em dar uma volta no calçadão e admirar a decoração deste ano.
-Seria ótimo, querida, mas terá de ficar para o fim de semana. Você sabe que estou cheio de trabalho e que tenho prazos a cumprir.
-Sim, Fábio. Verei se mamãe me acompanha.

Ele então fechou o notebook, deu-lhe um beijo na testa e foi ao quarto se trocar e dormir.
Enquanto isso, Manoela tirava a mesa, lavava os pratos e pegava os sapatos que Fábio diariamente deixava na sala, local em que permanecia horas após chegar e em que muitas vezes, jantava na companhia de seus dígitos.
Ela então abriu o armário da pia e tirou de lá uma garrafa de whisky. Tomou duas doses enquanto uma lágrima descia de seus olhos.

Secou a lágrima, lavou o copo e foi deitar.

Superficial

Em datas comemorativas, é belo se observar.
Tem aquele que vai à sogra, aquele que vai ao túmulo, aquele que vai ao bar.
Um vai sem vontade, outro se contenta em ficar.
Embora todos, de alguma forma, apenas finjam estar.

Todos unidos à mesa, menos aquele que vai trabalhar.
Enquanto ao lado de um copo, alguém está à procura de um par.
Duas num chat eterno procuram o que comentar.
E do outro lado da tela, alguém está a chorar.
Alguém se encontra em um ônibus, indo de volta ao lar.
Logo ao lado, outro alguém não tem para onde voltar.
Uma bebe vinho ao lado de seu marido, a roncar.
Outra se joga de um prédio, para não ter mais de respirar.
Tem aquele que passa o tempo com linhas tortas a traçar.
E aquela que esquenta a comida, para ela mesma jantar.
Uns saem em família e vão ao cinema gastar.
Outros escolhem o dia, e vão a entidades doar.

Em datas comemorativas, é triste se observar.
Todos unidos à mesa, menos aquele que se foi, sem avisar.
Tem aquela que sai por aí, a passear.
E aquela que escreve sobre comemorar.